segunda-feira, 14 de outubro de 2013

REDES SOCIAIS E CIDADANIA NA ESCOLA ( Eloiza Schumacher Corrêa )

Está na hora de a escola entender a poderosa ferramenta comunicativa que está à disposição de todos para ser usada como instrumento de posicionamento dos sujeitos no mundo.
Para quem conhece o Facebook e o Twitter, é fácil saber que os trechos em destaque são postagens, curtições e comentários. Obviamente foram retiradas as fotos e omitidos os nomes, por isso a configuração não é a do “Face”. Porém, isso não importa. A decisão de começar o artigo por esse recorte de uma rede social tem um propósito bem definido: refletir sobre potencialidades do uso das mídias na escola.
Nesse caso, começo por contextualizar como os diálogos citados foram tecidos a partir de uma aula de química em turmas de 2º ano do ensino médio em uma escola da rede privada de Florianópolis (SC). Como todos sabem, a forma como se estuda química pode deixar a sensação de matéria difícil, inacessível, repleta de fórmulas complicadas que nunca mais serão usadas. A química, contudo, pode ser problematizada a partir do cotidiano. Como qualquer disciplina, pode ir mais longe ainda e tornar-se instrumento para o exercício da cidadania.
Foi exatamente este o desafio proposto pelo professor Charles Petry. Participante ativo das redes sociais, ele se deparou com a publicação de um médico no Facebook que criticava o veto dado por uma deputada à proibição de venda de álcool líquido para uso doméstico. Sabedor do risco do álcool líquido em relação às queimaduras, há anos Charles defende o uso do álcool gel e, diante disso, não se limitou a compartilhar a publicação. Ele “comprou” a ideia e transformou-a em conteúdo de aula.
Com certeza, não foi difícil relacionar o assunto com a disciplina. Afinal, Charles sempre trabalhou com álcool gel e cinética química. Contatos aqui e acolá, pesquisas de dados da Sociedade Brasileira de Queimados, experiências em laboratório (simulação de queimadura em pele de porco), discussões em sala de aula... Pronto! A ideia também foi acolhida pelos alunos, que assumiram a tarefa de envolver, sensibilizar, conscientizar e mobilizar o maior número possível de pessoas. Para tanto, além de muito estudar, eles se empenharam em produzir vídeos e banners publicitários, postar materiais e criar formas de chamar a atenção nas redes sociais (Facebook e Twitter). É exatamente aí que está o foco deste artigo: problematizar o uso das redes sociais na escola como instrumento para o exercício da cidadania.
É impressionante o uso que os brasileiros fazem das redes sociais. No Facebook, por exemplo, somente no período de um mês, 460 milhões de fotos são publicadas no site, 716 milhões de mensagens inbox são trocadas e 1,6 bilhão de links é distribuído pelo país (www.updateordie.com). Considerando que cerca de 50% dos usuários ativos do Facebook têm entre 11 e 24 anos, é fácil constatar que são adolescentes e jovens os responsáveis por uma parcela importante de toda essa interatividade. Não resta dúvida, então, de que o jovem se sente à vontade para se comunicar em redes sociais.
É evidente que a escola sabe de tudo isso. Tanto sabe que tem ampliado seus investimentos para se equipar com diferentes tecnologias. Contudo, cabe destacar que ter uma pluralidade de meios (salas informatizadas, lousas digitais, DVDs, computadores individuais, tablets, etc.) à disposição na escola não significa, necessariamente, o aproveitamento do potencial desses materiais. Não raro, na escola, eles parecem assumir funções diferentes das que desempenham fora dela. Em lugar da exploração das possibilidades comunicativas desses meios, a escola — na tentativa de gerenciar/controlar seus usos — acaba por artificializá-los, reduzindo-os a meros acessórios destinados a tornar mais atraente a exposição de determinado conteúdo.
No entanto, muito mais do que acessórios ou complementos didáticos, queira a escola ou não, os materiais midiáticos são textos que têm uma dimensão discursiva. E, em se tratando de redes sociais, textos com um potencial de comunicação extraordinário.
Qualquer educador, ao menos em tese, sabe que, ao contrário de desprezar, a escola deveria respeitar e estruturar suas ações a partir daquilo que o aluno já traz. Ora, chamado por muitos de “nativo digital”, o estudante de hoje tem um amplo repertório — normalmente maior do que o do professor — em relação aos usos dos materiais midiáticos. Desse modo, não seria muito mais coerente se, em vez de reduzi-los a complementos didáticos, a escola fomentasse o diálogo entre cultura escolar e cultura midiática?
GD — ONG Criança Segura pede um twitte específico para a Deputada: @sandrarosado posicione-se a favor da redução das mortes
de crianças vítimas de queimaduras com álcool! #PL692
Curtir · · Seguir publicação
· 16 de maio às 20:22 próximo a Desterro

........................................................................

FS — Eu acho que a gente podia combinar para amanhã um twitasso. Todos do grupo e quem mais puder twitando amanhã ao mesmo tempo |a mesma tag. Quem tá nessa?
Curtir (desfazer) · · Seguir (desfazer) publicação
· 16 de maio às 20:24
GD — Com certeza, acho que um horário lá pelas sete ou oito seria bom
16 de maio às 20:25 · Curtir ·  2

GD — os tweets da noite, normalmente chamam mais atenção, tem mais gente conectada
...

ESC — quando a dia e a hora estiverem definidos, por favor me mandem “bem certinho” como é para fazer, daí encaminho e-mail para todos os pais da escola, pedindo que divulguem para seus conhecidos também. Ok?

17 de maio às 11:46 · Curtir

...

GD — TWITASSO CONFIRMADO: hoje,
sexta-feira, dia 18, das 18:00hrs as 21:00hrs!
Isso já está fechado com o Charles e a escola já está enviando e-mails informando os pais! Pedimos que mandem o seguinte twitte específico direcionado a deputada com a hashtag no final:
@sandrarosado posicione-se a favor da redução das mortes de crianças vítimas de queimaduras com álcool! #PL692

Por favor, divulguem para todos seus conhecidos! Vamos fazer um grande agito no twitter hoje!

Curtir (desfazer) · · Seguir publicação
· sexta às 09:11 próximo a Desterro

ESC — Parabéns 2ºs anos e Charles Qmc!
Vocês estão dando o que falar! Temos agendadas 3 reportagens de TV. Uma vai acontecer amanhã (24/5) a partir das 13h (Jornal do Almoço/RBS e Jornal Hoje/GLOBO). Outra acontecerá no dia 31/5 (próxima quinta) também no período da tarde (Programa Educação e Cidadania — RECORDNEWS/SC) e outra ainda vai acontecer no dia 01/06 (próxima sexta) no período da manhã (Programa Vida & Saúde/RBS). Bacana, né? Caprichem aí no visual hahaha... e, não esqueçam de vir de uniforme. Ok?
ESC — Pessoal que gravou na quinta-feira passada: tenho uma boa notícia e uma ruim. Primeiro a boa: vocês vão entrar ao vivo na sexta-feira no Bom Dia Brasil (Rede Nacional)! Bacana, né?
Agora a ruim: já que é ao vivo, vão ter que chegar na escola pra gravar às 06h50min (faz parte...). Para eu poder organizar as coisas, preciso saber quem topa chegar nessa hora. Ok? E pra lembrar: quem for, tem que estar com a camiseta da mesma cor que estava no dia que gravou... Charles Qmc, não te esquece da “vermelhinha”, hahaha.
Me avisem!
ET — Quem diria que esta campanha iria ganhar tanta força!!! Parabéns a todos que estão de cabeça nessa!!!
CM — Tem uma foto nossa na capa do site da ufsc!! C uma materia c o mauricio pereima
YZ — Cara, vou dizer pra vocês que eu to muito orgulhosa de tudo isso, é muito lindo! Tenho o orgulho de estudar no autonomia! Tenho certeza que a gente vai botar essa lei em vigor, o que a gente tá fazendo é muito intenso e muito bacana! Muita vibe!!! Uhul! Diga não ao alcool liquido!!!https://www.facebook.com/groups/297618610321840/permalink/314331851983849/?notif_t=like
Já há algum tempo, pesquisadores da área da comunicação vêm insistindo nessa questão. Jésus Martín-Barbero (2001) enfatiza o reconhecimento da escola como espaço de recepção crítica e de produção de mídias. Maria Isabel Orofino (2005) reforça essa ideia, mencionando também a necessidade de reconhecer a escola como espaço de endereçamento de respostas às mídias. Manuel Area Moreira e Maria Teresa Ribeiro Pessoa (2012) destacam o desenvolvimento de novas alfabetizações para a formação da cidadania na sociedade digital.
O que esses estudiosos estão querendo dizer, em linhas gerais, é que está na hora de a escola entender a poderosa ferramenta comunicativa que está à disposição de todos para ser usada como instrumento de posicionamento dos sujeitos no mundo. E, mais ainda, entender que é função da escola assumir tarefas nessa direção.
Daí a imprescindibilidade da mediação adulta. Na medida em que desejamos que os significados construídos a partir das mídias não sejam homogêneos, previsíveis ou meramente reprodutivos, temos, como educadores, de intervir, problematizando o que é recebido, mostrando, por exemplo, possíveis contradições, fragilidades e manipulações. Da mesma forma, na medida em que desejamos nutrir, alimentar e aprofundar as produções midiáticas dos estudantes, devemos intervir explorando as especificidades e desenvolvendo competências para se ler e escrever nessas linguagens — assim como fazemos com o texto escrito.
Em relação às redes sociais, isso não é diferente. Se queremos que os estudantes ultrapassem o âmbito do entretenimento, da exposição exagerada e de certa tendência ao exibicionismo, temos de intervir. Temos de aproveitar a nossa condição de adultos para promover um alargamento de experiências. Temos de criar situações de aprendizagem para que eles vejam que, mais do que suas próprias fotos, recados amorosos, piadas, itinerários dos lugares por onde andam, músicas, entre outros, podem postar e compartilhar ideais. E, em especial, mostrar que esses ideais podem fazer a diferença no mundo.
Voltando aos “estudantes do álcool gel”, podemos dizer que eles viveram, de fato, uma experiência dessa natureza. Além de terem sido sensibilizados para uma causa, tiveram a oportunidade de utilizar suas próprias “armas” para defendê-la. Criaram seus vídeos e banners com a finalidade de impactar e sensibilizar os outros, postaram esses materiais, combinaram um “tuitaço”. Enfim, transitaram por caminhos conhecidos por eles. E, talvez o aspecto mais interessante de todos, viram na prática que essas unidades mínimas têm uma possibilidade de replicação muito grande. Tão grande que são capazes de mobilizar até mesmo emissoras de TV, rádio e jornais, ou seja, são capazes de interferir na mídia tradicional.
Foi exatamente isso que aconteceu. Embora o “tuitaço” não tenha sido muito expressivo numericamente (foram apenas cerca de 400 tuítes), seu resultado foi imediato. Depois dele, esses alunos foram procurados para várias entrevistas e reportagens em âmbito local e nacional, foram convidados a participar de manifestação pública pela Sociedade Brasileira de Queimados e tiveram um vídeo escolhido para uma campanha na emissora de maior audiência do estado. Além disso, as imagens e fotos que produziram foram requeridas para ser utilizadas em um congresso nacional de medicina sobre queimaduras.
Como seria de esperar, as postagens no Facebook intensificaram-se. Muitas pessoas começaram a enviar solicitações de amizade para integrar o Grupo Álcool Gel, criado pelo professor Charles para armazenar e divulgar materiais sobre o assunto. Com inúmeras “curtições”, comentários e compartilhamentos, o Álcool Gel passou a ser o palco das principais discussões, decisões, combinados, depoimentos e elogios relacionados à causa. Só para ilustrar alguns exemplos:

É provável que ações como essa sejam o caminho para a abertura de um diálogo que nos conduzirá a acompanhar de maneira diferenciada as experiências dos adolescentes nas redes sociais. É provável que, em vez de sentirem o adulto como o “espião invasor”, sintam a mão adulta que amplia, enriquece, faz pensar e avançar. É provável também que, por meio dessas ferramentas, os jovens percebam que podem fazer algo importante pela humanidade, que podem ter vez e voz no mundo. Por fim, como sugere Orofino (2005), que teçam fios de solidariedade, direitos humanos e cidadania.


REFERÊNCIAS

  • AREA, M.; PESSOA, M. T. R. De lo sólido a lo líquido: las nuevas alfabetizaciones ante los cambios culturales de la Web 2.0. Revista Comunicar, v. XIX, n. 38, marzo 2012.
    MARTÍN-BARBERO, J. Os exercícios de ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva. São Paulo: Senac, 2001.
    OROFINO, M.I. Mídias e mediação escolar: pedagogia dos meios, participação e visibilidade. São Paulo: Cortez/Instituto Paulo Freire, 2005.

Nenhum comentário:

Postar um comentário